Sozinha

(Foto Antonio Louro)

hoje me bastaria
o quanto cabe

na outra

metade
da cama

Malu Sant'Anna

praedator

(Foto Ben Goossens)

Lançou seu melhor sorriso
como dardo lambuzado
no pior veneno

corpos combalidos
tramados em tapete
ainda virgem
amorteceram seus passos

caminho de subjugações
rumo à exultação
da forma perfeita

por dentro
cão virulento

Malu Sant'Anna

Sinecura

(Foto Google search)

Há vagas

diretrizes sórdidas
peçonhentas
prostitutas

feito dardo
envenenado

a transfixar
minhas percepções

pura má influência
a qual rendida
regurgito deliciosos
palavrões

boca suja
não pelo que
me entra

a saída é que
me condena
aos grilhões
seletivos

de outros

adoráveis
desiguais

Malu Sant'Anna

Plenitude

(Foto Google search)

Minha carne faminta
úmida é ácida

teu lugar

farta
sem sobras.

Malu Sant'Anna

De lobo a cordeiro

(Foto Google search)

Às pontas dos dedos
do falo, da língua
levas inteiro delírio meu

estala um desdém
que não me convence

quando sobe ao topo do mundo
peito inflado, por trás
de tênue camada de pêlos

é coisa de macho!
bem sei e adoro

a feição bruta do mau
que almoça donzelas
e janta as putas

tapa na cara
unhas nas ancas
conduz o alucinado
vai-e-vem
dos coitos bandidos

morres um pouco mais
a cada gozo

entregas

entre minhas coxas
sem luta

o manso jazido.

Malu Sant'Anna

A puta

(FOTO DUARTE S.)

Quebrou o salto mortal na calçada
e a promessa de mudar de vida
descalça, cuspiu a mordaça

somente sua a sina

o vermelho bradava
na boca e cobria a vulva
já pulsante à espera
de mais um invasor

não sentia mais dor
quando de quatro
estocavam-lhe o rabo

nem asco pelos que
gozavam na cara
sentia

a vida fácil
jazia ardida

alimentava um sonho:
foder por amor.

Malu Sant'Anna

Gênese

(Foto Google search)

Sirva-me dois
ou três dedos
do teu pior
veneno...

brindemos!

como quem
ergue cristais
ao amor
condicionante

que do risco
não temo

ainda confio
no acaso
e sei o peso
exato
do teu corpo
sobre o meu.

Malu Sant’Anna

De olhos fechados

(Foto Googple search)

Dissidentes, as pálpebras
recobrem os globos desertores

meus olhos preferem ficar fechados

o escuro induzido disfarça
o abuso do teu sorriso
cínico de único dono.

Malu Sant'Anna

Corpo lúteo

(Foto Ben Grossens)

De palavra em punho
tantas vezes parti
o mundo ao meio
na intemperança
do meu egocentrismo

Mas meu útero
gritou mais alto:

- Acorda, que ainda é hora!

E os estilhaços de sonhos
cravados nas paredes
de minhas moradas

refletem agora
uma alma remansada.

Enquanto os pesadelos
são sombras apenas
sob as quais adormeço

a salvo.


Malu Sant'Anna

Salomé

(Imagem Google search)

Sirvam-me cabeças
em bandejas de prata
ou gamelas carcomidas
por cupins.

A fome é ególatra
e os vermes já proliferam
em meu oco craniano.

E se puderem enriquecer
minha estante de troféus inúteis

tragam-me almas poéticas
de sobremesa

em taças de cristal
ou potinhos de plástico

reciclado.

Malu Sant'Anna

Para remendar

(Foto Google search)

Rasgo em tiras a trama
de minha falange proscrita

carcomida por traças
e outras pragas

em trapos
espero teu laço

tecido para me coser.

Malu Sant'Anna

Cavaleiro celestial

(Foto Google search)

Galopas
em rompantes
invasões

minhas etéreas
fantasias.

Malu Sant'Anna

Beijo

(Foto Google search)

O sentido
degusta
o toque

ávidas

dançam
línguas
no céu

carmim.

Malu Sant'Anna

Sede

(Foto Google search)

a saliva
suplica
e traga

derrete a seiva

minha preferida
na tua boca

Malu Sant'Anna

Bloodmaria

(Foto Jingna Zhang)

Ímpia, a verve
escorre em
escarlate visco.

Ao ardor latente,
antagonizam
cubos de gelo.

Malu Sant'Anna

Amor galopado

(Foto Mariah)

Versejam teus cascos
ávidos por ganharem
o mundo.

A galope desenham
nuvens sépias
no desalinho
dos meus
horizontes.

Malu Sant'Anna

Regra básica

(Foto Google search)

Espasmódicos

menstruam meus olhos

alheios à prenhez

de minha boca.

Malu Sant'Anna

Rebentação

(Foto Gonçalo)

Água imensa
revolta, salgada, fria

vens e rebentas
em mim rochedo.

Ao meio sou partida
por conta das tuas
sucessivas

sempre
tão bem-vindas

invasões.


Mau Sant'Anna

Quero minha vida de volta

(Foto Graça Loureiro)

Chega, por hora.

Quero ver o avesso
de onde estou
e espiar pela fresta
da vida que me roubaste.

O banquete de batráquios
que me serves regado
a cacos de vidro

me revolta
as vísceras.

Não, não me peças
para ser outra.

Eu morreria
se matasse a puta...

Calada
sou só sombra.

Esboço...

Uma quase morta!

Malu Sant'Anna

Neurotransmissora

(Foto Mariah)

Se pudesse hoje
virava fumaça

uma dessas
marijuânicas...

Faria a cabeça
de alguém

e depois,
seria apenas
cheiro doce

numa roupa
colorida.

Malu Sant’Anna

Aniquilação

(Foto Elsa Mota Gomes)

Contida em mim
tenho espasmos abafados
e luto incessantemente
contra minha própria
natureza

Vou espargindo
de fora para dentro
o fel que rega
essa indignação
imprópria
à coletiva harmonia

E a cada gota
menos de mim.

Malu Sant’Anna

Blefe

(Foto Vedran Marjanovic)

Ouso,
mas não creio.

Quase desisto,
ainda que isso
também não seja fácil...

Como uma
mórbida necessidade
de desafiar a vida
em cada esquina

e apostar
todas as cartas.

Na manga
coringas conspiram
para me salvar.

Malu Sant’Anna

Alça de mira

(Foto Ben Goossens)

Às vezes fujo
para dentro de mim
onde ninguém
saberia me achar
ou ousaria...

porque casulo de doido
é silêncio que ecoa...

E a fina flor da carência afetiva
que me faz dependente
da tua atenção

é a minha artilharia pesada
para abater sem piedade
o teu duro coração.

Malu Sant’Anna

Espanhola

(FOTO MAURÍCIO SCHWARTTZMAN)

Punheta pouca
é bobagem...

Por isso meus peitos
imperfeitos

(o esquerdo é maior
que o direito)

te oferecem
esse caminho
estreito

onde o prepúcio
indo e vindo, não pára
até que me gozes
na cara!

Malu Sant'Anna

Ego meliante

(Foto Laurentiu Margalin)

Esse pressuposto vício
que me ata feito corda no pescoço,
balançando na boca do poço,
tem raízes ancestrais.

É uma iniquidade compulsiva
mesquinha, torpe, ingrata
que aos poucos vem e me mata
por modus operandis banais.

Malu Sant’Anna

Não morras hoje, meu amor!

(Foto Google Search)

Peço-te que, caso me permitas um último pedido,
antes que tudo se acabe, que a vida se liquefaça
em gotas azedas da tua essência turva,

que não morras hoje, meu amor,

enquanto a chuva encharca
a terra que irá nos acolher.

Porque dia de chuva
não é para se morrer.

As sementes festejam,
o edredom nos espera
e há tanto ainda para
fazermos em nós mesmos...

Nuvens carregadas
copulam com o céu
assim como em mim
estocas teu desejo carnal.

E a lua, satélite clichê,
se oferece nova
dependurada sobre nós
feito testemunha voluntária
dessa orgia ordinária.

Brindemos, então, com a seiva
de nossos fluídos corpóreos,
nossos sentidos etéreos,
e desejos insanos.

Enquanto a chuva
lava e inunda o mundo lá fora
e faz a terra gemer...

Malu Sant’Anna

Logorréia indigesta

(Foto Thomas Dunkerley)

Quantos quilos
tenho comido
desse pão dormido
feito sempre da farinha
do mesmo saco?

E não me sacia,
por mais que meta
goela abaixo

pelo contrário,
me dá azia
e um mau humor
do caralho.

Malu Sant’Anna

Revel

(Foto Google Search)

Meu coração
amanheceu
batendo na garganta...

Ontem à noite ele saiu
correndo peito à cima
para alcançar um impropério
e tomá-los pelas rédeas.

Agora não sabe
se o deixa galopar mundo à fora
e fazer seus estragos

ou traz para dentro
de volta.

Malu Sant'Anna

As três bocas

(Foto Boca Google Search, editada por mim)

Tanto, sempre tanto para falar...
por isso as três bocas.

a que se abre ao alimento,
engole, saliva, vomita
que ao vento semeia palavras,
xinga, conforta, pergunta, condena
que beija, lambe e suga
os paladares típicos
da carne

a que, ainda víscera,
gela diante do medo
dá nó, embola,
leva pancada
em cada fato
que se sobrepõem
à espera

e a que se rende
ao falo e o enfeitiça
para que o mundo
seja sempre mundo.


Malu Sant'Anna

Biotraços

FOTO GOOGLE SEARCH

Já despenquei
em tantos barrancos
que a pele hoje é dura
das marcas de meus
descaminhos.

Atravessei rios
e cidades,
ainda não mares,
mas cresci junto
com muitas marés
para saciar corpo,
mente, alma e
coração.

E a Lua, que a tudo
assistia em abusadas
transfigurações
no espelho,
tenho certeza:

foi parida pelo céu.

Malu Sant'Anna

Psicose

FOTO X. MAIA

Sempre a um passo
de outro caminho
e no meio
de quando em quando
um surto.

Não é que
me dê medo,
só não quero
levar susto.

O monstrinho
ainda dorme
a salvo
no quarto escuro.

Malu Sant’Anna

Caça

FOTO GOOGLE SEARCH

Cravadas nas tuas
carnes fartas,
minhas garras.

Rasgo
para que o sumo
escoe

e nele
aguce o gosto.

Faminta,
devoro-te presa.

Malu Sant'Anna

Veneno e antídoto

FOTO KAISERINE

Submeta-me
a tua natureza
ordinária
que eu desperto
puta inteira

feliz ao te servir
o pior e o melhor
de mim.

Malu Sant'Anna

Breu de nós

FOTO LUIS MENDONÇA

Inexisto em mim
enquanto esse silêncio abissal

se posta, nas tuas costas
que preferem ficar voltadas.

Sou a metade da sombra
que perpetra a cratera
aberta diante
de tanta indiferença
em comum.

Hoje a luz me dói.

Malu Sant'Anna

Chega de DR

FOTO PAULO CÉSAR

Golpeia-me de chofre
que esse mata-mata
vai dar em nada mesmo...

Estou cansada de DR,
de tentar mais uma vez
e ver tudo afinal
igual ou pior.

Esqueçamos a palavra
e partamos
ao ato somatório
de nossas diferenças.

Só preciso
que me revires por dentro

e eu esqueço todo o resto...

Malu Sant'Anna

Vampira

FOTO A. BRITO

Meu fogo não é só fogo

é fome, sede, agonia.

Labaredas de querer-te

em mim, alçando

insanos voos noturnos

no céu da tua cama.

Eu, de tanto que gosto

dos teus sabores, teus fluídos

te mordo as carnes,

te sugo o sangue, a saliva, o sêmen.

Alimento meus sistemas,

entorpeço meus sentidos.

Te degusto, meu homem!

Malu Sant'Anna

Cio

FOTO PAULO ALMEIDA

Hoje parece que
a cabeça que eu tinha
está oca e, no entorno craniano,
infinitos sensores clitóricos.


Todos os pensamentos
ficam roçando uns nos outros
e explodem
em súplica vulvar:

Foda-me agora!

Malu Sant'Anna

Muda

FOTO A. BRITO

Lancei à força plena

o corpo cansado

contra os rochedos

cobertos de cracas.

A pele surrada

pela fuligem do caminho,

soltou-se aos poucos

do apego humano

à carne que continha...

E fiquei assim,

por dias, carne viva,

à flor de minhas culpas.

O sal, do mar, de mim,

em sua inerente assepsia,

permitiu-me a muda

e enfim, recobri-me:

Nova!

Malu Sant'Anna

Alada

FOTOS WALTER MEDEIROS E JINGNA ZHANG

Se é para quebrar a cara
que seja em noite
de lua cheia
eu, Godiva, alma nua
galopando no teu céu...

Que me vale tanto zelo,
o medo de quedas antigas
dos falsos amores
em poças rasas?

Prefiro o risco.

Correr por teus caminhos...
entre pedras e espinhos.
No teu sexo, minhas asas.

Malu Sant'Anna

Terrorista de mim

FOTO GRAÇA LOUREIRO

Eu, avião voando baixo
entre as muralhas
da civilização,
apaguei o risco
e o rabisco.

De mim,
esboço.

Malu Sant'Anna

Resposta à mulher que já foi homem

FOTO MXAVIER

do homem que já foi mulher

Tenho bons cílios,
boa pele e alguns
bons filhos...

Da mulher que um dia fui
ficou presa na garganta
uma lágrima.

Calcificada,
virou pomo de Adão.

Do pecado original,
sobrou-me a supremacia
carnal, a safadeza incontida,
verdadeiro instinto animal.

Por todo o corpo
nasceram pelos
e onde eu tive seios
está hoje o repouso
das minhas presas: fêmeas!

Os óvulos são girinos
que expulso em impulso
ejaculatório.

A fenda se fechou
e do grelo que eu tinha
ergueu-se o pau.

É para onde também
meu cérebro foi.

Não ousaria me comer,
seria contra minha macheza,
mas comeria a mulher
que antes da brotação,
um dia cheguei a ser.

Devoraria inteira,
e também suas amigas...

Seus lábios, mamilos,
vulvas e bundas.

Tudo em nome

do meu prazer.

Malu Sant'Anna

Nos meus sentidos

FOTO MARGARIDA ARAÚJO

Espalma o toque
com teu instinto
faminto em meus
meandros carnais.

Saliva tua
boca na minha
enquanto brindamos
à rega de um coquetel
de hormônios.

Teu cheiro, assim
do mamilo, à beira
quanta vontade me causa
de te servir para mim.

Desperta explosivos
impulsos primitivos

do gozo que
me nasce nos olhos,
do sonoro gemido,
do másculo aroma
e teu gosto...

o preferido
do meu paladar.

Malu Sant’Anna

Antropofagia poética

FOTO JOSÉ VIEIRA

Aos ególatras, não há limites.

O céu e a terra são apenas altares
para o culto a si mesmos.

E, àqueles que se opõem
ao estrelismo nauseabundo
das putanas revestidas
de poesia conspurcada,
uno-me em coro:

Fodam-se pérfidas!

Malu Sant'Anna

Zerando os contadores

FOTO PAULO FRANCO

Um segundo estrondoso
que me valha insistir...

Qual navalha
que à carne serve
verve ao despertar.

Sou magnólia tocada pelo vento,
esquife da minha agonia
à espera do jardineiro
para enfim poder sorrir.

Não, ainda não
estou pronta para desistir.

Ainda tenho escroto
mesmo tendo sido
castrada ao renascer,
ao me parir fêmea,
minha mãe.

Tenho nas mãos
atadas pela cinesia
intermitente da vida
a chave do tempo.

Meu tempo.

Descobrir...

Malu Sant’Anna

Guerreira de pano

FOTO PAULO FRANCO

Sob meus pés de tecido,
monstros desnudos, vencidos.

Malu Sant'Anna

Tratamento de choque

FOTO GRAÇA LOUREIRO

O silêncio oco

na mortalha

justificava o fim.

Entretanto,

não estava pronta

para desistir.

Não ainda.

Sulquei o chão

com o peso

de minhas derrotas.

Desencapei

o fio alcançado.

Um toque apenas...

Tremor extremo.

Lançada à distância, caí estatelada...

Finalmente eu estava

Viva!

Malu Sant'Anna

Fecundo

FOTO MIGUEL RITA

A lua estava divina, imensa,
ainda que só metade
refletisse o brilho do sol
em um amarelo perturbador.

Pendia como se fosse
escapar pelo rasgo do céu.

Eu viajava por fora,
pedalando ao seu encontro,
e por dentro,
onde o whisky paraguaio
e a cannabis me eximiam
de qualquer possível lucidez.

Assim, louca, livre e feliz
pela primeira vez eu vi
o céu grávido da lua.

Malu Sant'Anna

Volta ao mundo em um beijo

FOTO SIG PEREIRA Teus lábios

hemisférios.

Para mim

são sempre

carne nova.

Malu Sant'Anna

Carnívoro

FOTO ANTONIO LOURO Cada pequena porção
deste corpo que te sirvo
em seda e rendas brancas

foi temperado
com teus aromas
e sabores preferidos.

Unicamente para
o teu paladar.

Sei que é de carne
tua fome voraz
e teu limite é
a fartura.

Por isso tanto.

Malu Sant'Anna

Borderline

O sorriso
me sangra
em rendas
negras e brancas...

É tudo ou nada,
de mãos atadas
nas costas
suadas...

E mais uma vez,
a um passo do fim,
perdida em mim

no resquício sombrio
da insana certeza...

posta à mesa,
eu serei o jantar!

Malu Sant'Anna